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sexta-feira, 12 de junho de 2009

Rancor

Já anoitecia e elas voltavam do serviço. Inicialmente eram colegas de trabalho. Agora, depois de um ano e meio indo juntas para casa, de compartilharem as intrigas do dia que se passou, de reclamarem do comportamento dos filhos, de fazerem confidências íntimas sobre seus relacionamentos, agora sim, podia se dizer que eram amigas.
O trânsito as seis e trinta da noite era infernal. Ficaram alguns minutos paradas em frente a uma concessionária.
___Meu marido quer comprar um carro. Está guardando dinheiro há muito tempo pra isso.
___Mesmo! Só espero que não seja um fusca.
Respondeu a outra de forma automática e continuou a fitar a loja, como se não quisesse estender o assunto.
___Não, não! Vai comprar um carro novo, aquele infeliz.
___Credo! Está mesmo querendo ficar solteira.
___Isso eu quero há dezesseis anos.
Nesse instante a outra se voltou para ela com certo espanto e a sensação de quem havia perdido algum trecho da conversa.
___ Dezesseis anos? Do que está falando mulher?
___Do carro.
___Carro? Que tem isso haver?
___No dia em que ele aparecer em casa com o carro, vou lembrá-lo do que me falou há dezesseis anos. Palavra por palavra, eu vou repetir aquela frase.
Ela dizia tudo aquilo com uma voz triunfante. Com um sorriso nos lábios. Mas com a expressão cerrada, deixando a mostra na face as marcas do tempo.
___A dezesseis anos ele me deu um presente, me disse umas palavras. Eu me calei e guardei o presente. Agora está mais que perto. Quando ele estacionar o bendito carro em nossa porta, imediatamente vou buscar o presente e colocar em suas mãos. Quero olhar bem nos seus olhos de espanto ao abri-lo e logo em seguida eu direi: lembra do que me falou há dezesseis anos?
Ela arfava como uma presa que acaba de ser abatida. O sangue ainda quente, a ferida aberta. A amiga escutava calada, às vezes abaixando os olhos, tentando disfarçar o ar de reprovação. Ela continuou.
___ Posso estar errada. Aliás, não estou. No dia em que ele me mostrar esse carro, ah esse vai ser o mais feliz da minha vida! Eu quero crer. Aí sim posso pensar no meu futuro. Vou mostrar pra ele que não se brinca com as pessoas. Vou devolver o presente.
Parou por um instante, procurou os olhos da amiga e quando os encontrou, percebeu que estavam arredios, a observando de longe, como alguém que olha para um louco conversando sozinho na rua. Ainda assim tentou conduzi-la a compartilhar a mesma sensação que sentia.
___Ele diz que sou rancorosa, que fico remoendo as coisas. Mas é tão fácil falar assim. Quem dá o tapa esquece rápido, mas quem recebe, sente o ardor na pele por muito tempo, você não acha?
___Olha, não sei...Nesta história de vocês prefiro não me intrometer.
Essa foi a única frase que ouviu em resposta. Primeiro ficou decepcionada. Talvez ela não fosse tão sua amiga para entender suas razões. Logo em seguida sentiu vergonha, parecia estar nua em meio a uma multidão. Seria estranho guardar aquela mágoa tanto tempo ao ponto de acharem-na uma louca? Pra ela aquele sentimento era tão latente, tão legítimo quanto digno de ser conservado. Mas a amiga não compreendia. De repente teve medo do marido também não entender, da sua vingança não ter o efeito desejado. Que ao invés de vergonha, ele sentisse pena dela. Isso ela jamais aceitaria!
De repente se arrependeu daquela conversa. Sentiu-se sozinha. Mas repetiu em silêncio pra si mesma: quem recebe o tapa é que sente o ardor. Por fim, dirigiu-se a amiga.
___Acho que farei a janta mais cedo hoje...

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